H.P. Lovecraft, o mestre das trevas literárias, compartilha sua filosofia tortuosa de como tecer histórias estranhas, uma jornada sombria que se afasta da luz do entendimento comum e se enfia nas sombras do desconhecido. Ele mergulha de cabeça no abismo da ficção de horror, onde criaturas indescritíveis e o medo cósmico governam, e revela o processo perturbador e fascinante que segue para criar essas narrativas que arrepiam até os ossos. Prepare-se, caro leitor, pois aqui está o passo a passo de como ele invoca os terrores mais profundos e as mais bizarras criações de sua mente, um ritual tão meticuloso quanto macabro:
1. Motivação e Escolha de Histórias Estranhas:
Lovecraft escreve histórias para materializar as impressões vagas e misteriosas que ele tem sobre o mundo. Ele busca explorar as limitações de tempo, espaço e as leis naturais que limitam nossa curiosidade sobre os mistérios cósmicos além do que conseguimos entender. Ele escolhe histórias estranhas porque elas permitem uma sensação de transgressão dessas limitações, oferecendo um mundo de possibilidades infinitas e aventuras cósmicas.
Elementos-chave:
-
Ele enfatiza o horror como uma emoção primordial, pois é a que melhor ajuda a criar a ilusão de violação das leis naturais.
-
O tema do tempo é central, já que o conflito com o tempo é, para ele, o mais dramático e aterrador dos conflitos humanos.
-
Lovecraft observa que o horror e o estranho estão intimamente conectados, sendo difícil criar uma narrativa convincente sobre a violação das leis naturais sem envolver o medo.
2. O Processo de Criação:
Lovecraft descreve como ele concebe e escreve suas histórias, destacando que não há uma maneira única, e cada história segue seu próprio caminho. O processo pode ser dividido em cinco etapas principais:
Passo 1: Conceito Inicial
O processo começa com uma imagem, ideia ou estado de espírito que ele quer expressar. Às vezes, ele parte de um sonho ou uma visão, mas geralmente começa com algo que provoca um forte desejo de ser desenvolvido em uma história. Ele tenta imaginar como essa ideia pode ser expressa de forma dramática.
Passo 2: Primeira Sinopse
-
A primeira etapa é criar uma sinopse ou esboço de eventos na ordem em que ocorreriam na realidade, não na ordem em que seriam narrados.
-
Ele descreve com detalhes suficientes para cobrir todos os pontos vitais e motivar os incidentes planejados.
-
A primeira sinopse serve como um mapa geral da história, permitindo ver o desenvolvimento dos eventos de forma clara e completa.
Passo 3: Segunda Sinopse (ordem narrativa)
-
A segunda sinopse reorganiza os eventos, agora na ordem em que serão contados ao leitor.
-
Ele detalha mudanças de perspectiva, a construção de tensões e os pontos culminantes da história.
-
Durante essa fase, ele pode alterar a estrutura da primeira sinopse para tornar a história mais impactante, movendo incidentes, interpolando ou excluindo partes conforme necessário.
Passo 4: Escrita da História
-
A terceira fase é a escrita propriamente dita, onde Lovecraft segue a segunda sinopse, mas com flexibilidade.
-
Ele escreve rapidamente e de forma fluida, sem se preocupar excessivamente com críticas no começo, permitindo que o processo de escrita revele novas ideias ou direções para a história.
-
Caso o desenvolvimento sugira novas oportunidades para drama ou narrativa, ele modifica o enredo, reescrevendo partes, ajustando o começo, o meio e o fim da história.
-
Durante essa fase, ele garante que todas as referências na história sejam consistentes com o design final, eliminando qualquer superfluidade ou incongruência.
Passo 5: Revisão
-
Após completar a escrita, Lovecraft revisa cuidadosamente o texto. Ele examina aspectos como vocabulário, ritmo da prosa, transições de cena, atmosfera, suspense dramático, e a eficácia do começo, meio e fim da história.
-
Ele se assegura de que o tom e a atmosfera estejam de acordo com a história, especialmente ao tratar de um clima de estranheza ou horror.
-
A revisão envolve também ajustar a proporção das partes, e ajustar o ritmo, alternando entre ação lenta e detalhada e momentos rápidos e breves.
3. Tipos de Histórias Estranhas:
Lovecraft identifica quatro tipos distintos de histórias estranhas, que podem ser categorizadas de duas formas principais:
-
Por Humor ou Sentimento: Histórias que focam em um estado de espírito ou emoção.
-
Por Concepção Pictórica: Histórias que expressam uma imagem ou visão vívida.
-
Por Situação Geral ou Lenda: Histórias que giram em torno de uma condição ou evento misterioso.
-
Por Clímax Específico: Histórias que focam em um ponto culminante específico ou situação dramática.
Ele também destaca duas grandes categorias de ficção estranha:
-
Histórias em que o fenômeno estranho ou horrível é o foco central.
-
Histórias em que a ação dos personagens interage com um fenômeno estranho.
4. Estrutura do Horror e da Estranheza:
Para Lovecraft, todas as histórias de horror estranhas envolvem cinco elementos centrais:
-
Horror ou Anormalidade: Algo estranho ou anômalo, como uma entidade ou condição.
-
Efeitos Gerais do Horror: O impacto do fenômeno estranho no mundo.
-
Manifestação: A forma como o fenômeno estranho se apresenta ao mundo.
-
Reações de Medo: As respostas emocionais dos personagens ao estranho.
-
Efeitos Específicos: Como o fenômeno afeta a situação particular da história.
Ele enfatiza que, ao escrever uma história estranha, é crucial criar um clima adequado e garantir que a estranheza seja apresentada de maneira convincente e impactante. A atmosfera deve ser cuidadosamente construída, sem depender de explicações diretas ou simples catálogos de eventos incríveis. A história deve ser imersiva e cheia de sugestões subtis, que ajudem o leitor a sentir o que os personagens sentem diante do desconhecido.
5. Atmosfera em vez de Ação:
Lovecraft acredita que a atmosfera é o maior objetivo da ficção estranha, e não a ação propriamente dita. Para que o horror seja eficaz, deve-se criar uma sensação de admiração e impressão, com eventos e fenômenos sendo descritos de maneira sutil e gradual. O estilo deve evitar ser casual ou superficial, já que qualquer história de horror que tente ser outra coisa que não uma expressão vívida de um humor humano acaba se tornando barata e imatura.
Lovecraft, com sua mente torturada e cheia de horrores cósmicos, acredita que essas regras e diretrizes foram essenciais para o sucesso de suas histórias. Ele frisa a importância de revisar cada palavra com a obsessão de um cultista e de ser flexível como um ser do além. Porém, ele também nos dá um aviso sombrio: se ignorarmos a construção atmosférica e a sugestão sutil, suas histórias poderiam ter se tornado ainda mais insuportáveis — e quem sabe, até piores do que um pesadelo eterno no fundo do abismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário