Hoje, corajoso leitor, vou abrir as cortinas empoeiradas do meu porão criativo para revelar, passo a passo, como um conto nasce — ou melhor, como ele rasteja para fora das sombras, babando ideias e soluçando incoerências.
Tudo começou com um sussurro vindo de um edital de concurso. Um tema imposto, como um pacto assinado sem ler as letras miúdas. Aceitei. (Afinal, quem precisa de paz de espírito?)
A primeira sinopse brotou num surto no celular, digitada com os polegares trêmulos no meio da madrugada. Não corrigi os erros de digitação. Eles são relíquias do caos original. Deixei-os lá, como fósseis de um pensamento primitivo — e talvez bêbado.
Depois veio a fase da dissecação: abri o texto em tópicos, dei títulos provisórios (que mais pareciam nomes de feitiços falhados) e fui enxertando ou amputando ideias com a precisão de um cirurgião sonâmbulo.
Na penúltima etapa, escrevi tudo de uma vez, sem freio, sem pudor, sem o menor compromisso com a sanidade ou gramática. Um verdadeiro ritual de possessão literária.
O texto final — aquele que talvez faça algum sentido — ficará para outro post. Por enquanto, fiquem com as entranhas expostas do processo. E cuidado ao ler à noite. Algumas ideias ainda se mexem.
***
Esboço
Lilian morava sozinha numa casa. Todo dia uma adolescente batia no seu portão e gritava pela mãe, co tudo ela nunca atendeu e a ignorava pq.ela.nao tinha ninguém e achava que era um mendingo. Um dia ela foi até o portão pra atender ela e ver do q se tratava, qd. Hegou lá a pessoa disse " obrigado por me atender, vc já pode ir embora" Lilian ficou sem entender e qd olhou p dentro da casa e a viu abandonada ele começou a se lembrar: alguns dias atrás um louco a estava perseguindo, então a única solução que ela pensou foi bater na primeira casa e gritar pela mãe, como se estivesse chegando em casa, e o bandido desistiu.. o susto foi tão grand3 que ela enlouqueceu, passando a viver aqueles dias na casa abandonada como se fosse realmente dela
***
Título inicial: A Casa da Lilian
1. Introdução – O cotidiano estranho
Lilian morava sozinha numa casa simples, afastada do centro. Todos os dias, por volta do mesmo horário, uma adolescente aparecia no portão, batia com força e gritava:
— Mãe! Abre a porta!
Lilian nunca respondia. Achava que era uma moradora de rua perturbada, confundindo sua casa com outra. A ignorava, com certo incômodo, mas também com indiferença. Afinal, Lilian vivia só, não tinha filhos, nem familiares próximos.
Objetivo: Criar desconforto no ordinário.
- Apresentar a rotina solitária e reclusa de Lilian. Ela evita contato com vizinhos, quase não sai, e tem poucos objetos pessoais — tudo é genérico, impessoal, e ela vê tudo como uma imagem embassada no espelho.
- Ela ouve passos no andar de cima, embora viva sozinha numa casa térrea. As luzes piscam. Objetos se movem levemente. Mas ela racionaliza tudo.
- A garota aparece todos os dias no portão e grita "Mãe!". Lilian sente um incômodo crescente — mas não medo, ainda. Apenas cansaço, uma sensação de que algo não se encaixa.
2. A decisão de enfrentar
Um dia, cansada daquela rotina estranha, Lilian resolve ir até o portão. Abre a porta e encara a menina. Antes que possa dizer qualquer coisa, a jovem sorri levemente e diz:
— Obrigada por me salvar. Você já pode ir agora.
Objetivo: Instigar a desorientação e a ruptura da percepção de realidade. Confusa, Lilian pergunta a si mesma o que aquilo significa. Lilian, atônita, volta o olhar para dentro de casa... e algo parece errado. Móveis empoeirados, janelas quebradas, o teto com buracos. Como não tinha notado antes?
- Após a garota sair, Lilian entra em casa e repara em detalhes nunca vistos antes: o sofá cheio de pó, as teias de aranha, uma infiltração no teto — como se a casa tivesse sido abandonada há anos.
- Ela tenta ligar a TV, nada funciona. Tenta acender a luz, mas os interruptores não respondem. O silêncio é ensurdecedor.
3. As memórias retornam
Um frio percorre sua espinha. Imagens confusas começam a surgir. Dias atrás... um homem estranho a perseguia na rua. Desesperada, ela correu. Não sabia para onde ir. Então, num ato de desespero, parou diante de uma casa aleatória e gritou:
— Mãe! Abre a porta!
A atuação improvisada fez o homem hesitar e ir embora. Ela desmaiou logo depois, tomada pelo pânico. Quando acordou, não lembrava de quase nada, mas estava dentro da casa. E então começou a viver ali, como se sempre tivesse sido sua.
Objetivo: Aumentar o terror psicológico e diluir as fronteiras do "eu".
- Lilian começa a ter flashes: ela correndo na rua, um homem a seguindo, o desespero.
- O grito por uma mãe que não estava ali. A porta que se abriu. Ela entrou e... depois, o vazio.
- Dentro da casa, começa a encontrar objetos que não lembrava de ter: um caderno com desenhos infantis, um sapato de adolescente, uma foto rasgada de uma garota sorrindo — com o rosto parcialmente queimado.
- Ela se olha no espelho, mas a imagem parece... atrasada. Quase como se não fosse ela ali.
4. A revelação final
Agora, com a visita da garota, tudo se encaixa. A casa nunca foi dela. Ela estava apenas... abrigada em um delírio. A menina era ela mesma, tentando voltar para casa.
Objetivo: A revelação. A quebra final da sanidade.
- A garota aparece pela última vez. Agora está dentro da casa. “Você não deveria ter ficado. Isso nunca foi seu.”
- A casa começa a "falar": rangidos viram vozes. O relógio marca sempre o mesmo horário. Portas se abrem para cômodos que não existiam antes.
- Lilian vê a si mesma, mais jovem, descalça, desesperada. A cena do início se repete. Ela assiste de fora.
- Ela grita. Tudo some. Silêncio.
5. Epílogo – A Repetição
Objetivo: Deixar o leitor inquieto com a ambiguidade.
- Dias depois, uma nova moradora chega. Entra na casa abandonada.
- Alguém bate no portão com força. Uma adolescente grita: — “Mãe! Abre a porta!”
- A casa: símbolo da mente fragmentada. Vai se deteriorando à medida que Lilian lembra da verdade.
- Espelhos: sempre refletem algo ligeiramente errado.
- Relógio parado: representa o momento do trauma congelado no tempo.
- O portão: limiar entre realidade e delírio.
- A menina: a consciência real, reprimida, tentando resgatar a identidade.
A Casa Que Me Esqueceu (versão rascunho, muito fraca)
Lilian morava sozinha numa casa simples, afastada do centro da cidade. Um terreno largo, cercado por um muro gasto, um portão de ferro enferrujado e silêncio — sempre um silêncio denso, viscoso, como se o ar ali dentro estivesse preso no tempo.
A vizinhança era distante o suficiente para que ninguém soubesse seu nome, e ela preferia assim. Ninguém perguntava, ninguém lembrava. Era melhor assim. Ou mais fácil.
Todos os dias, por volta das cinco da tarde, uma adolescente surgia do nada e se aproximava do portão. Batia com força, como se quisesse romper algo, e gritava:
— Mãe! Abre a porta!
A primeira vez, Lilian se assustou. Depois, acostumou-se. Achava que era alguma jovem perturbada, talvez uma moradora de rua confundindo sua casa com outra. A indiferença veio com o hábito, embora um incômodo vago sempre a roçasse — como a brisa de um lugar esquecido.
Ela não tinha filhos. Nunca tivera. Também não mantinha laços com familiares ou amigos. Sua casa refletia isso: poucos móveis, nenhuma fotografia, paredes nuas. Tudo nela parecia ter sido colocado ali por outro alguém. Não havia marcas de vida. Era como viver dentro de um cenário — ou dentro de alguém.
O espelho do corredor, sempre enevoado, devolvia uma imagem atrasada, vacilante. Às vezes, ela se via sorrindo sem saber por quê. Outras, sentia que havia algo atrás dela, apenas fora do alcance da visão.
Certa noite, ouviu passos no andar de cima.
Mas sua casa era térrea.
As lâmpadas tremeluziam sem motivo. Móveis rangiam, mesmo quando o ar estava parado. Pequenos objetos mudavam de lugar, de posição. A televisão ligava com a tela preta. O relógio da parede havia parado há tempos, sempre marcando o mesmo horário: 17h03.
O mesmo momento em que a garota batia no portão.
A casa não parecia velha. Ela era velha. Carregava uma espécie de cansaço estrutural, como uma mente trincada tentando manter a fachada intacta. E Lilian, no meio disso tudo, sobrevivia. Se é que esse era o verbo certo.
Naquela tarde cinzenta, quando o som das batidas ecoou pelo ferro, algo dentro dela se quebrou.
Sem pensar, levantou, atravessou a sala e abriu o portão com violência.
A garota estava lá. Pálida. Os olhos escuros como poços sem fundo. Mas calma. E, dessa vez, sorriu.
— Obrigada por me salvar. Você já pode ir agora.
Lilian ficou paralisada. A voz da menina atravessava o ar como se viesse de dentro da casa — ou de dentro dela. A jovem virou-se e foi embora, sem pressa. E Lilian, ainda sem entender, olhou para trás.
A casa... parecia outra.
O sofá onde se sentava todos os dias estava coberto por pó. Havia uma teia grossa entre os braços da poltrona. As janelas tinham os vidros quebrados. O teto mostrava buracos por onde a luz do fim da tarde entrava como punhais lentos.
Como não havia notado?
Entrou. Tentou acender a luz. Nada. Tentou ligar a TV. Silêncio. A geladeira estava desligada, mofada. O telefone, desconectado, parecia pertencer a outra era.
O relógio continuava parado. 17h03.
Um arrepio subiu por sua espinha.
Imagens surgiram, cortando a névoa. Ela corria pela rua. Era noite. Um homem a seguia. Passos pesados atrás dela. Ela gritava, mas as janelas estavam fechadas. O mundo estava mudo.
Até que viu a casa. Esta casa.
Correu até o portão.
— Mãe! Abre a porta!
Ela viu uma mulher lavando louça, ou cozinhando alguma coisa. Parecia alguém que havia se perdido no tempo, era como um filme passando no cinema, indiferente.
O homem hesitou. Foi embora. Ela desabou no chão. Desmaiou.
Quando acordou, estava dentro da casa. Sozinha. E ficou. Como se já estivesse ali antes. Como se ali fosse o único lugar seguro — ou possível.
Agora, tudo fazia sentido. Ou quase.
Achou um caderno com desenho de traços compulsivos, repetitivos: casas, portas, olhos. Achou um sapato velho de colegial. Uma fotografia queimada, com uma menina sorrindo — ou chorando, era difícil dizer.
O espelho tremia. Ela se olhou. Seu reflexo não a acompanhou.
Era como ver outra pessoa. Uma cópia, ou um erro de memória.
Então quando se virou. Ela viu uma mulher na cozinha — não reconhecia o rosto, mas havia algo nos gestos, nos ombros curvados. Algo... familiar demais.
— Você não deveria ter ficado. Isso nunca foi seu.
Nesse instante, a casa estremeceu. As paredes começaram a ranger, mas o som se transformou em palavras abafadas. O relógio, parado há dias, voltou a funcionar — mas os ponteiros giravam em círculos. Portas se abriram onde antes havia apenas parede, revelando corredores escuros, vazios, fundos.
Lilian correu desesperada para fora da casa, parecia que alguém a seguia.
Ela precisava de ajuda, mas não conhecia ninguém ali.
A solução foi.. simular. Aquela casa parecia ser a única saída.
Então ela bateu desesperada no portão:
- Mãe! Abre a porta!
***
No próximo post, invocarei a versão final do conto, que ficou muito diferente dessa — e espero, do fundo do abismo, que ela tenha emergido mais sombria... e deliciosamente divertida. Preparem suas velas pretas e o senso de humor torto.
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