sábado, 26 de abril de 2025

Carta a Álvares de Azevedo

CARÍSSIMO E ADMIRADISSSIMO Álvares de Azevedo,

Das profundezas do tempo — e com vinte anos a mais de poeira na alma do que Vossa Melancolia carrega — escrevo-lhe esta missiva, movido por um misto de compaixão, zombaria fraterna e uma discreta ressaca das ilusões da juventude.

Sinto-me investido da augusta autoridade de também ter sido, aos vinte anos, um miserável arruinado pelas flores murchas do amor — tal qual Vossa Senhoria, hoje, aos vossos espirituosos vinte e um.

O que me incumbe dizer talvez seja um crime contra a inspiração, pois — como rezam os bêbados e os poetas — a mais pungente beleza da arte brota das chagas da tristeza. E se, ao dizer o que direi, vossas poesias perderem metade da morbidez que as ilumina, paciência: consolo-me na esperança de salvar-vos um pedaço da vida.

Pois bem:
Sede mais ousado!
Mais insolente nas vossas paixões!
Lançai-vos como um louco faminto ao festim dos sentimentos, pois um "não" já repousa, zombeteiro, no vosso colo. O pior já é vosso por direito adquirido! Nada tendes a perder, senão as amarras da vossa tímida contemplação.

Se não conseguirdes um "sim", apenas estareis reafirmando a vossa melancólica propriedade. Mas se, por desventura das estrelas ou capricho dos deuses, arrancardes um "sim" ao coração de alguma dama — ah, então sereis, ainda que por um instante, o mais sortudo cadáver ambulante da história!

Com a negra amizade de quem já mastigou poeira e brindou à própria desgraça,

Vosso dedicado espectro,

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