domingo, 20 de abril de 2025

Crônicas da Kripta nº1: Vampiros, Terremotos e Pauladas Divinas



Sempre fui apaixonado por quadrinhos de terror das antigas — aquelas relíquias amareladas que cheiram a mofo, nostalgia e um pouco de enxofre. No topo da minha pilha sagrada está Kripta, aquela obra-prima da RGE que assombrou as bancas brasileiras entre 1976 e 1981. Havia outras pérolas na época, claro... mas, por enquanto, estou obcecado em completar minha coleção de Kripta antes de invocar os outros demônios impressos.



E para celebrar essa jornada macabra pelas páginas esquecidas do horror pulp, começo agora uma série de dissecações — quer dizer, análises — das histórias que mais me divertem (e me inspiram a escrever as minhas próprias aberrações literárias).

A primeira vítima dessa necropsia nostálgica? Drácula, a história inaugural da Kripta nº1. Escrita por um tal Dube (provavelmente um pseudônimo amaldiçoado) e desenhada pelo brilhante Tom Sutton, com capa do nosso talentoso necro-ilustrador Walmir Amaral.

A trama é um delírio deliciosamente absurdo: Drácula chega a São Francisco em 1906, conduzido por uma sacerdotisa que, vejam só, quer converter o príncipe das trevas ao Bem (com B maiúsculo e tudo). O local era conhecido como Costa Bárbara — um caldeirão fervente de pirataria, satanismo, bruxaria e tráfico de escravas brancas. Quase um Google Maps do Apocalipse.

A coisa desanda quando uma prostituta atrai Drácula para um beco escuro — um clássico — e, prestes a receber um "beijo" nada romântico, a tal sacerdotisa surge para aplicar o juízo. Só que... bom... ela leva uma paulada acidental de uma bruxa velha e cega. Uma morte trágica, sim, mas digna de uma comédia cósmica. Antes de morrer, ela solta a profecia:
"Uma deusa não pode ser destruída sem uma terrível vingança."

E aí... a cidade treme. Literalmente. Um terremoto devastador cai sobre São Francisco. Drácula, empertigado, diz com pompa:
"Essa é a vingança de que a deusa falou!"

Ao que a bruxa, pragmática e desprovida de paciência, rebate:
"Estúpido! ... é um terremoto."

É genial. Uma sátira acidental (ou não) sobre egos imortais e forças da natureza que não dão a mínima pra mitologia pessoal de ninguém. Ainda assim, o vampirão resgata a bruxa e a prostituta e foge com elas para o único navio que sobreviveu ao desastre — porque claro, nada mais lógico.

A bordo, Drácula decreta suas vinganças com classe gótica:

  • À bruxa, que teme a morte:
    "Vais permanecer morta mais do que uma eternidade."

  • À prostituta, que teme a escuridão:
    "Vais pagar vivendo eternamente no mundo dos vampiros... o mundo das trevas!"

É o tipo de terror exagerado, dramático e deliciosamente ridículo que me faz rir alto no escuro. A morte da deusa com uma paulada é ouro puro. O roteiro caminha entre o horror e a paródia com a desenvoltura de um cadáver dançando bolero.

Os desenhos? Confusos. Cheios de sombras, riscos, texturas e expressões que variam entre o pânico absoluto e o olhar perdido de quem esqueceu o texto. Mas eu amo cada centímetro deles. São um labirinto visual que combina perfeitamente com o caos das tramas.

Fiquei tão encantado com esse festival de absurdo sombrio que estou até cogitando reescrever essa história em forma de conto — talvez ambientado no Brasil, com um toque de candomblé, um navio negreiro assombrado, e o Drácula fugindo num ferry boat do Rio-Niterói. Vai saber...

Por enquanto, deixo vocês com essa pérola gótica-trash e um convite: acompanhem as próximas análises aqui no blog. Porque rir no escuro também é um ato de resistência.

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