domingo, 4 de maio de 2025

Palavras Soturnas e Pó de Livros Velhos: A Linguagem Rebuscada de Quem Já Nasceu Morrendo

Você gosta de frases curtas? Objetividade? Verbo direto ao ponto?

Então talvez este texto não seja para você.


Aqui, vamos abrir um sarcófago literário e desenterrar três autores que jamais mandariam um "oi, sumido" — prefeririam algo como "há muito, no silêncio oblíquo das eras, minha alma exilada ansiava por tua etérea presença..."

Estamos falando de Álvares de Azevedo, Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft: os grandes mestres da linguagem rebuscada, essa arte obscura de escrever como se você estivesse morrendo, apaixonado, tendo uma visão cósmica e folheando um dicionário de 1850 — tudo ao mesmo tempo.

☠️ Álvares de Azevedo: o adolescente pálido com um crânio na escrivaninha

Imagine um jovem de vinte anos com tuberculose, café frio, poesia nos dentes e um tédio existencial que faria Nietzsche lhe oferecer um abraço. Este é Álvares de Azevedo, nosso lord Byron dos trópicos.

Azevedo não escreve. Ele delira, sussurra, suspira. Sua linguagem é feita de véus, adjetivos perfumados e um estoque de palavras que parecem ter saído de uma cartomante deprimida.

“Amo-te assim, dolente, pálida, fatigada...”
(Tradução livre: ‘Você parece doente. Te adoro assim.’)

Nada é simples. Dormir vira “reclinar-se sobre as plumas do esquecimento”, e beijar é quase uma experiência pós-morte. E se por acaso você sorrir durante a leitura, fique tranquilo: ele provavelmente morreria de desgosto com isso.

🦉 Edgar Allan Poe: a alma penada que rima com "Nevermore"

Saímos do Brasil e mergulhamos nos porões úmidos da mente de Edgar Allan Poe, onde corvos recitam poesia e o amor da sua vida está enterrado atrás de uma parede.

Poe adorava palavras pomposas, sinônimos tristes e uma boa sessão de necrofilia metafórica. Sua prosa é como um veludo roxo manchado de vinho barato: bela, decadente e ligeiramente suspeita.

“And the silken, sad, uncertain rustling of each purple curtain...”
(Tradução livre: ‘As cortinas se mexeram e eu pirei de vez’)

Mas atenção: Poe não era só um gótico dramático. Ele era também um arquiteto do terror psicológico, e sua linguagem rebuscada é uma espécie de hipnose linguística que te puxa para dentro do túmulo — e fecha a tampa com classe.

🐙 H. P. Lovecraft: o bibliotecário do fim do universo

Por fim, adentramos as ruínas ciclopianas da mente de H. P. Lovecraft, onde o dicionário é um livro sagrado e cada frase é um tentáculo gramatical tentando te arrastar para fora da sanidade.

Lovecraft acreditava que o verdadeiro horror não podia ser nomeado. Naturalmente, ele passava páginas inteiras tentando nomear o inominável com palavras como “eldritch”, “gibbous” e “involuntariamente inconcebível” (sim, ele escreveu isso). A experiência de lê-lo é parecida com abrir um grimório em sânscrito só para descobrir que você está lendo a bula de um apocalipse interdimensional.

“The most merciful thing in the world is the inability of the human mind to correlate all its contents.”
(Tradução livre: ‘É uma bênção ser burro demais pra entender o horror cósmico’)

Se Poe é o terror da alma e Azevedo o da paixão, Lovecraft é o terror do vocabulário.

Conclusão: rebuscamento é sobre estilo — e delírio

Esses três autores escreveram como quem assina um testamento: cada palavra, um suspiro. Cada adjetivo, um véu fúnebre. E a linguagem rebuscada, longe de ser frescura, era sua forma de lidar com aquilo que não cabe em frases simples: a dor, a morte, o amor impossível, os horrores do universo... e talvez uma crise existencial antes do café da manhã.

No fim, se hoje vivemos na era do tweet, eles viveram na era do epitáfio. E nós, leitores modernos, seguimos como necromantes curiosos, lendo seus textos como quem invade mausoléus em busca de joias linguísticas.

E quem sabe — no meio de um parágrafo tortuoso, entre dois adjetivos obsoletos — não ouvimos, ao fundo, um sussurro vindo da página:
"Nevermore..."



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